Quando conhecemos alguém novo, a primeira pergunta que as pessoas nos fazem é qual o nosso nome. Ele é a primeira coisa que identifica quem somos.
Logo em seguida, quase que automaticamente, vem uma outra pergunta: o que você faz da vida?
É impressionante como todos nós respondemos a essa pergunta pensando no trabalho, né? Ninguém diz que lê, corre no parque, viaja ocasionalmente, encontra os amigos nos fins de semana.
Talvez porque, desde criança, somos estimulados a pensar no que queremos ser quando crescer sempre associado a uma profissão e não a um estilo de vida.
Por 13 anos, eu fui a Fernanda Neute, publicitária. Passei quase metade da minha vida construindo uma identidade baseada na minha profissão e no quanto dinheiro eu ganhava com ela.
Ao longo desses anos, tudo na minha vida, de alguma forma, era consequência dessa identidade. As roupas que eu usava, os lugares que eu frequentava, as viagens que eu fazia, o carro que eu tinha e até o meu grupo de amigos.
Tudo era importante para construir o meu repertório profissional e reforçar a minha imagem de mulher poderosa e bem sucedida.
Por algum tempo, eu fui exatamente quem eu sempre quis ser, até o dia que eu percebi que tudo aquilo que me fez feliz por tanto tempo, não fazia mais tanto sentido para mim.
Muitos de vocês já sabem o que aconteceu! Eu pedi demissão, decidi começar uma nova carreira e fazer isso viajando (se não sabe, pode ler sobre aqui, aqui, aqui e aqui).
Seria isso uma crise de identidade?
Embora eu seja uma pessoa muito questionadora, eu nunca tinha tido dúvidas em relação à minha vida. Desde sempre eu tinha uma meta: eu vou trabalhar em uma grande agência ou empresa e terei um cargo de destaque até os 30 anos. Não tinha dúvida de que isso fosse acontecer.
Foi só quando eu cheguei exatamente onde eu queria estar, 3 meses depois de ter completado 30 anos, que eu percebi que o próximo passo não era tão óbvio quanto foram todos os passos até então.
Eu não queria ser VP ou CEO. Eu não queria ganhar prêmios. Eu ficava irritadíssima todas as vezes que alguma propaganda invadia meu espaço sem a minha permissão, como eu poderia continuar fazendo isso?
Eu queria fazer algo que eu sentisse orgulho e isso não aconteceria se eu continuasse trabalhando no mercado publicitário.
A decisão de viajar aconteceu não porque eu queria tirar um sabático, férias prolongadas, meditar ou me encontrar, mas porque eu precisava economizar dinheiro se quisesse começar uma nova carreira do zero. Ficar em São Paulo sem um emprego não era uma opção inteligente, por isso, eu decidi ir para a Ásia.
Lá, além de viver bem com muito menos, eu teria a oportunidade de estar em contato com várias pessoas que estavam fazendo o mesmo: nômades digitais e empreendedores do mundo todo.
Eu mal cheguei e logo já estava pesquisando, escrevendo, participando de masterminds, eventos com outros empreendedores e não me dei o direito de tirar uma única semana de férias. Meu computador virou uma parte do meu corpo e para onde eu ia, ele ia junto.
Durante todo esse período eu sentia que algo estava faltando, que a conta não fechava. Eu tinha uma vida perfeita, estava viajando pelo mundo, começando uma carreira nova, namorando uma pessoa maravilhosa. Por que raios eu estava sentindo esse vazio que eu nunca senti antes?
Foi só depois de muita auto-análise que eu cheguei a uma conclusão extremamente importante: eu estava sem identidade.
Eu não sabia quem era a Fernanda Neute que agora não era mais publicitária, que não morava mais em São Paulo, que não tinha mais roupas, carro, amigos por perto e um salário gordo caindo na conta corrente todos os meses.
Embora eu estivesse feliz com a minha escolha, eu constantemente sentia que eu não me conhecia mais, que eu não sabia quem eu era e isso me causava esse vazio, até então, inexplicável.
Eu, que sempre tive a necessidade de estar no controle da minha vida, de um dia para o outro me vi do outro lado do mundo, sem tudo aquilo que fazia parte da identidade que eu tinha construído, e o pior, sem a menor ideia de quem seria essa nova Fernanda. Para algumas pessoas, isso pode ser libertador, mas para mim, foi desesperador.
O que eu percebi é que muito mais do que saber quem eu era, eu sabia o que eu era ou o que eu sabia ser, já que grande parte da minha identidade foi construída com base na minha carreira como publicitária. No momento que eu me vi sem isso, eu não sabia mais quem eu era.
O que é identidade?
Identidade tem a ver com aquilo que escolhemos ser percebidos não só por nós mesmos, mas também – e principalmente – pelos outros. Consciente ou inconscientemente, nós escolhemos aquilo que é mais importante para nós, aquilo que mais valorizamos e procuramos a validação das pessoas de acordo com esses valores.
Isso pode variar entre ser a mais inteligente da classe, ter um corpo perfeito, ser a pessoa mais bem sucedida do escritório, casar, ter filhos, ser rico.
Muitos de nós não faz essas escolhas racionalmente. Somos influenciados pelo ambiente onde vivemos desde a infância e, quando crescemos, acabamos seguindo um caminho natural que foi resultado das nossas experiências.
Meu pai, por exemplo, era rígido e controlador e percebeu que o pouco dinheiro que tinha era a melhor forma de fazê-lo se sentir no comando. Como resultado disso, eu cresci com a crença de que só tem poder, direito de escolha e liberdade aquele que tem dinheiro. Não por acaso eu comecei a trabalhar quando tinha acabado de completar 16 anos.
Minha criação influenciou totalmente a minha identidade, já que por muito tempo eu acreditei que o dinheiro era a coisa mais importante na vida de alguém. O dinheiro me fazia sentir “livre” e, por isso, eu trabalhei como louca desde a minha adolescência para ganhar cada vez mais dinheiro e poder me sentir mais dona do meu próprio nariz.
A importância de diversificar a nossa identidade
Em uma de suas entrevistas, Tim Ferris falou de um conceito chamado identity diversification ou, em português, diversificação de identidade. Ele fala o seguinte:
“Quando você tem dinheiro, a coisa mais inteligente a fazer é diversificar seus investimentos. Assim, se algo inesperado acontece, você não perde todas as suas economias de uma única vez. O mesmo acontece com a nossa identidade. Devemos investir nossa autoestima e energia em diferentes áreas – vida profissional, amizades, relacionamentos, esportes, filantropia – de forma que, se uma área da sua vida não vai muito bem, você não fica completamente desestabilizado emocionalmente.”
É um conceito tão simples que parece óbvio, mas não é. Existem muitas pessoas que se interessam por um pouco de tudo, mas ainda assim não tem sua identidade diversificada. Elas fazem mil atividades, participam de vários eventos, mas no fim do dia elas ainda valorizam uma coisa mais do que todas as outras.
Eu sempre fui interessada em viagens, diferentes culturas, arte, moda, gastronomia, música, filmes, línguas. Isso me fazia pensar que eu era uma pessoa com uma identidade bastante diversificada.
O problema foi que, quando eu me vi sem salário e gastando todo o meu dinheiro sem saber quando ganharia mais, eu percebi que todos esses meus interesses juntos não eram tão importantes para mim quanto ter dinheiro, pois na minha cabeça dinheiro era igual a liberdade.
Eu não vou ser hipócrita e dizer que dinheiro não é importante para uma vida feliz, mas hoje eu tenho certeza de que isso não é a coisa mais importante. Ter dinheiro e não ter tempo não me faria feliz. Ter dinheiro e não ter um relacionamento saudável não me faria feliz. Ter dinheiro e não ter saúde, definitivamente não me faria feliz. Mas você descobre isso quando sai totalmente da sua zona de conforto e por isso é tão importante se colocar à prova.
O que é realmente importante na sua vida? Você sabe quem você é de verdade? Que tal parar para pensar em quem você seria se perdesse o emprego ou todo o seu dinheiro? E se o seu namorado terminasse com você ou você perdesse a pessoa mais importante da sua vida, isso faria você perder a sua identidade?
Não podemos investir nossa vida e construir nossa identidade em cima de coisas que a qualquer momento podemos perder como bens materiais, carreira ou pessoas.
Quando diversificamos a nossa identidade, nos tornamos o resultado de um conjunto de interesses que vai definir quem somos e, só assim, poderemos ser o que quisermos. Eu decidi quem eu quero ser e ainda estou no caminho para chegar lá.